A polêmica gerada pela propaganda da Volkswagen, que revive Elis Regina, em comemoração aos 70 anos da empresa no Brasil tem chamado a atenção. A utilização de inteligência artificial para trazer Elis Regina de volta à vida, junto com sua filha Maria Rita, cantando a música “Como nossos pais” em meio a carros clássicos e elétricos, tem suscitado debates sobre a mensagem da música, os valores de Elis Regina e a relação da Volkswagen com a ditadura militar.
Neste artigo, exploraremos as controvérsias em torno dessa propaganda, analisando sua repercussão e as questões históricas e ideológicas relacionadas à empresa e à cantora.
Elis Regina e a música utilizada na propaganda
A música “Como nossos Pais”, escrita por Belchior e imortalizada na voz de Elis Regina, aborda um diálogo intergeracional entre uma pessoa mais velha e alguém mais jovem, como um pai e seu filho. A letra retrata as experiências de vida do pai, suas frustrações diante das expectativas não realizadas de liberdade, especialmente durante a ditadura militar no Brasil. A música também critica a apatia da nova geração, que parece ter se acomodado e deixado de questionar os tempos sombrios pelos quais a geração anterior lutou arduamente para recuperar a liberdade.
No entanto, ao utilizar essa música como pano de fundo para sua propaganda comemorativa, a Volkswagen despertou controvérsias. Embora seja compreensível que a empresa queira evocar nostalgia e conexão emocional com o passado, a escolha de uma música que ressalta a ideia de que no passado as pessoas lutavam mais por seus ideais, enquanto agora tudo é inércia, pode não ser a abordagem mais adequada para promover seus novos produtos. Essa contradição pode gerar uma desconexão com o público-alvo e prejudicar a mensagem da campanha.
A falta de harmonia entre a música, seus significados e os produtos anunciados pode levar a uma recepção negativa por parte dos consumidores, afetando a eficácia da propaganda e a percepção da marca.
Polêmica envolvendo a Volkswagen e a ditadura
A propaganda da Volkswagen gerou controvérsias devido a informações históricas sobre o envolvimento da empresa com o regime militar no Brasil. De acordo com o site Poder360, relatórios do Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP), do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) e do Ministério Público do Trabalho (MPT) indicam que a Volkswagen colaborou com o regime militar, inclusive elogiando o golpe de 1964. Essas descobertas foram solicitadas por sindicatos e pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investiga os crimes cometidos durante a Ditadura.
O impacto dessas revelações foi significativo, levando a Volkswagen a assinar um acordo de reparações históricas no valor de R$36 milhões com ex-funcionários que sofreram prisão, perseguição ou tortura durante o regime, conforme reportado pelo jornal El País. Esse acordo abriu um precedente importante e destacou ainda mais a contradição entre a postura histórica da empresa e o uso de Elis Regina em sua propaganda.
Essas informações históricas levantam questões sobre a responsabilidade corporativa e a necessidade de transparência em relação aos vínculos com regimes autoritários. A Volkswagen, assim como outras empresas, deve enfrentar as consequências de seu passado e trabalhar para reconstruir sua reputação perante o público. É essencial que empresas sejam transparentes e éticas em suas práticas, demonstrando compromisso com os valores democráticos e os direitos humanos.
A polêmica sobre o uso da IA
A discussão em torno do uso da inteligência artificial para retratar pessoas falecidas em propagandas levanta questões importantes sobre ética e regulamentação. A técnica do deepfake, que permite criar imagens e vídeos sintéticos altamente realistas, levanta preocupações sobre o consentimento e o uso adequado da imagem de pessoas já falecidas. Atualmente, não existem regulamentações claras sobre direitos autorais e direitos de imagem nesse contexto, o que gera uma lacuna legal a ser preenchida.
O problema se agrava considerando o contexto de desinformação e notícias falsas que vivemos atualmente. A disseminação de informações enganosas é uma preocupação global, e o uso da tecnologia de deepfake pode intensificar esse problema. A capacidade de criar vídeos falsos convincentes de pessoas reais pode ser explorada para espalhar desinformação, prejudicando a confiança pública e comprometendo a integridade das informações.
Diante desses desafios, é fundamental que órgãos governamentais, especialistas em ética e tecnologia, assim como a sociedade em geral, estejam envolvidos em um debate abrangente sobre o uso de deepfakes e a necessidade de regulamentação. É necessário buscar um equilíbrio entre a inovação tecnológica e a proteção dos direitos individuais, garantindo a salvaguarda dos valores éticos e a preservação da confiança pública. A definição de diretrizes claras e a conscientização sobre os riscos associados ao uso inadequado dessa tecnologia são passos importantes para mitigar seus impactos negativos e garantir um uso responsável e ético da inteligência artificial.
Conclusão
A propaganda da Volkswagen gerou polêmica devido ao uso da inteligência artificial para trazer Elis Regina de volta à vida. A escolha da música “Como nossos Pais” e a representação de uma conversa intergeracional levantaram questionamentos sobre a adequação da mensagem da música e a relação da Volkswagen com a ditadura militar. Além disso, a revelação do envolvimento da empresa com o regime autoritário reforçou as contradições e trouxe à tona questões de responsabilidade corporativa e transparência histórica.
A controvérsia também se estende ao uso da inteligência artificial, especialmente no contexto dos deepfakes, que podem ser explorados para manipulação e disseminação de desinformação. A ausência de regulamentações claras sobre direitos autorais e direitos de imagem em relação a pessoas falecidas cria uma lacuna legal que precisa ser preenchida.
Para lidar com esses desafios, é necessário um diálogo abrangente entre órgãos governamentais, especialistas em ética e tecnologia, bem como a sociedade em geral. A definição de diretrizes claras e a conscientização sobre os riscos associados ao uso inadequado da inteligência artificial são fundamentais para garantir um uso responsável e ético dessa tecnologia.
No cenário atual, em que a confiança do público é essencial, as empresas devem demonstrar compromisso com valores democráticos e direitos humanos, sendo transparentes em relação ao seu passado e trabalhando para reconstruir sua reputação. A ética e a responsabilidade corporativa devem ser prioridades, buscando um equilíbrio entre inovação tecnológica e proteção dos direitos individuais. Somente através de discussões e ações colaborativas será possível enfrentar as controvérsias e garantir um uso adequado da inteligência artificial, preservando a integridade das informações e o respeito aos valores éticos.
Dificilmente Elis Regina concordaria em participar dessa campanha.